Artista Ucraniana Olesya Trofymenko Fala Sobre Colaboração Com a Dior Durante a Guerra, Identidade Cultural e “Renascimento” Criativo
Onde encontrar força interior para a criatividade enquanto está acontecendo uma guerra em seu país? Como encontrar símbolos de otimismo neste momento e compartilhá-los com o mundo? A artista ucraniana Olesya Trofimenko sabe todas as respostas. Seu estilo característico, representado por uma combinação de pintura e bordado, impressionou a diretora criativa da Dior, Maria Grazia Chiuri. Em julho de 2022, Olesya criou 32 telas bordadas para a grife que realizou um desfile de alta costura. Nelas, ela transmitia sentimentos otimistas e inquietantes que definem a realidade atual.
Olesya Trofimenko também é uma das criadoras que fez parte do Projeto Revival e compartilhou histórias de locais ucranianos que foram destruídos.
Perguntamos à artista como ela conseguiu transformar seu hobby em profissão e o que mais aprecia no processo criativo. Estamos convidando você a conhecer a talentosa Olesya Trofymenko e explorar como a arte ajuda o mundo a moldar sua percepção em relação aos ucranianos.
Escolhendo a arte e a criatividade como uma necessidade pessoal
Na infância, eu era obcecada por piano e falei para meus pais que eu gostaria de participar de uma escola de música. Eu tinha uma ótima memória musical e um bom ouvido para a música. Mas eu não sabia que essa disciplina seria tão rígida. Como eu desenhava na mesma época, minha mãe dizia: “Se você escolher a escola de arte, pode largar a escola de música”. E foi assim que aconteceu.
Para mim, a criatividade é um tipo de filosofia e uma maneira de viver. Não posso deixar de criar, pois não se trata apenas de uma ambição — é uma forma de terapia e uma necessidade pessoal.
Deficiency, 2022
Desenvolvendo um estilo próprio e tendo incertezas criativas
Minha avó sempre foi muito criativa. Ela passava o dia bordando e costurando coisas. Eu ainda me lembro de como ela fazia vasos de crochê em 3D com flores tridimensionais. A vovó embebeu os fios de crochê em calda de açúcar e eles ganharam forma. Quando éramos crianças, tínhamos esses vasinhos e eu gostava de chupar as pétalas das rosas porque eram doces.
Então, pedi à minha avó que me ensinasse a bordar. No início, eu comecei como um hobby para relaxar. Mais tarde, percebi que estava despendendo muito tempo nisso. Sendo assim, a decisão de unir meu hobby com a profissão foi natural. Além disso, foi um experimento bem-sucedido.
Acredito que para encontrar um estilo é necessário se inspirar no trabalho de alguém e tentar fazer algo parecido. Mas você não precisa ter medo desse processo. Afinal, se você tirar as devidas conclusões do trabalho, aos poucos encontrará seu próprio estilo. É importante acreditar no que você está fazendo e em si mesmo. Apesar de ser impossível acreditar em si mesmo o tempo todo. Depois do desfile da Dior, por exemplo, recebi vários comentários positivos, mas meu primeiro pensamento foi: “E se esta for a última coisa boa que eu criei!?”. Essas oscilações sempre irão acontecer, é normal.
Encontrando ideias e dando vida ao trabalho
Várias vezes, tento me concentrar em imagens que surgem na minha cabeça. Provavelmente, esta é uma experiência subconsciente que surge em algum momento da vida. É como um insight. É necessário pensar e não pensar ao mesmo tempo.
Eu amo concluir um trabalho. É revigorante: você faz algumas alterações e, de repente, a obra ganha vida. Você encontra o que realmente precisa ser mudado. E depois de fazer isso, o trabalho morre. Então ele volta à vida e morre novamente. Eu amo a fase em que você finalmente chega ao ponto em que a obra ganha vida e não precisa de mais alterações.
Sentimentos de perder sua pátria
Nasci em Vilcha perto da fronteira com a Bielorrússia. Onde as delegações ucranianas e russas estiveram pela primeira vez após a invasão. É a zona de Chernobyl. Portanto, desde a infância soube o que era perder um lugar nativo. Eu e minha mãe nos mudamos para Kiev quando aconteceu a explosão em 1986. Mas o vilarejo viveu até 1996 e ainda havia pessoas morando lá. Primeiro, voltei a Vilcha para visitar minha avó e depois, quando ela morreu, para ver meus amigos. Consigo me lembrar da sensação de conhecer cada árvore e cada flor. Por um longo tempo, fiquei desapontada por perder minha pátria. Mas, graças a Deus, tive a sorte de encontrar um lugar mais seguro. Então, comprei uma casa que fica bem longe de Kiev.
Mona, 2015
Início da invasão e o desejo irresistível de viver
Eu estava na minha vila, onde nada acontece e a internet quase não funciona. Acordei cedo no dia 24 de fevereiro, porque precisava ir para a autoescola. No ônibus, a internet voltou a funcionar, e eu comecei a ler todas as notícias. Eu vi multidões de pessoas, filas imensas em caixas eletrônicos, jovens sendo convocados por telefone. Lembro que alguns dias antes de tudo isso acontecer, falei que a guerra estava para começar. Mas assim como você não quer acreditar na sua própria morte, você não quer acreditar no início de uma guerra. É realmente impossível estar pronto para lidar com isso.
Quando a invasão começou, percebi o quanto amava Kiev e queria voltar. Nos primeiros dias depois da libertação da cidade, eu imediatamente corri para lá. Foi extremamente doloroso ver os resquícios de um ataque de míssil perto de minha casa, pontos de ônibus demolidos, sacos de areia nos trilhos dos bondes e janelas quebradas. Claro, a guerra tomou um rumo diferente. Ao mesmo tempo, fiquei impressionada com a sede que as pessoas tinham de viver. Em Kiev, conheci uma vizinha que me contou que sua filha trabalhava em um salão de beleza. Fiquei surpresa que recebiam clientes durante esse período. E eram muitos, porque as pessoas ainda estavam lutando pela vida. Uma vida comum repleta de necessidades diárias básicas, beleza e criatividade. Isso me deixou orgulhosa de nós.
Are you kidding, 2019
Lugares de resistência em Kiev
Me lembro de como Peizazhna Alley (uma área de recreação popular em Kiev) se transformou ao longo dos anos. Quando eu morava perto da loja “Kvity Ukrainy”, que hoje não existe mais, costumávamos ir para Andriyivskyy Descent, mas não era um local tão turístico. Ainda me lembro de todas essas construções antigas, o espírito da “Old Kiev”, o Castelo de Richard. Quando eu era criança, era uma imagem bastante romântica.
Quando estudei na Academy of Arts, eu e meus amigos nos reuníamos no Peizazhna Alley para comemorar aniversários e outros eventos importantes. Este lugar está diretamente associado aos meus anos de estudante, juventude e diversão. Mas tudo mudou muito desde então. Recentemente voltei de Paris, e fiz um passeio por Podol e Velyka Zhytomyrska. Foi muito difícil ver a velha árvore perto da igreja e da fonte, mas fico feliz que tudo tenha resistido. Sou apaixonada pelos pátios e pelas ruas estreitas da cidade de Podil.
Particularidades de trabalhar na indústria do cinema e da moda
Fiquei com receio de me perder no desfile da Dior, mas ao chegar no pavilhão e ver os camarins, como tudo era construído, várias pessoas correndo pra lá e pra cá, dando e recebendo comandos, imediatamente ficou claro: isso é praticamente o mesmo que filmar. Apesar de existir algumas diferenças. Se pensarmos que um filme é uma obra coletiva estendida no tempo, no caso do desfile da Dior, eu vi o resultado final.
Desfile de Alta Costura da Dior Outono-Inverno 2022-2023
Os aspectos mais desafiadores e interessantes de colaborar com a Dior
A proposta de colaborar com a Dior veio em um momento em que o povo ucraniano estava horrorizado com os acontecimentos em Bucha e Irpin. Então, não levei a sério no início. O que, por um lado, me ajudou a não me sentir oprimida pela escala da marca mundialmente reconhecida. Diante das notícias, foi muito difícil mudar para a direção “aesthetics”, porque divergia totalmente com o que eu sentia na época. A curadora do projeto, Solomia Savchuk, me disse que os esboços precisavam ser positivos e otimistas. A primeira reação que tive foi séria: “Será que eles sabem o que está acontecendo na Ucrânia?”. E Solomia respondeu: “Sim, sabem e acreditam em nossa vitória”. Acredito que a parte mais desafiadora foi tentar encontrar algo que pudesse transmitir vontade de vivier e, ao mesmo tempo, criar um sentimento de incerteza em relação ao futuro. Ao meu ver, a Dior teve uma abordagem muito cautelosa: a sequência musical, a coreografia e o andamento permitiram transmitir esse estado.
Após o desfile, o jornal The Guardian escreveu que a artista ucraniana inspirou a coleção da Dior. E esta foi uma declaração muito ousada. Não acho que eu tenha inspirado a Dior, apenas trabalhamos juntos e eles gostaram da árvore da vida. Foi muito bom conhecer a Maria Grazia Chiuri. Conversamos por meia hora, relaxadas e em completa unidade de pensamento. Todos me disseram: “Finalmente, você vai conhecê-la”. Achei que eu me sentiria pequena ao lado da rainha da moda, mas ela é muito agradável de se conversar, e isso é um indicador da escala da pessoa.
Mas o que realmente me impressionou foi a Chanakya School of Craft (Mumbai), onde as tapeçarias eram bordadas para a Dior. Até brinquei que cada país possui seu próprio feminismo. O problema é que esta é a primeira escola na Índia em que as mulheres podem bordar para viver. Como disse o diretor, coisas que são naturais para as mulheres no nosso país, incluindo bordados e trabalhos manuais, ainda são vistos como funções dos homens.
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Fonte: Conta do Instagram da Dior
O peso da responsabilidade e da crítica
O mais importante é que recebi diversos comentários positivos dos ucranianos. Eu estava muito preocupada sobre como as pessoas iriam reagir ao meu trabalho. É uma grande responsabilidade representar a Ucrânia neste nível cultural. E eu não queria fazer nada errado.
Mas recebi duas críticas negativas. A primeira foi sobre o motivo pelo qual os ucranianos não estavam bordando tapeçarias. As pessoas precisam entender que esta é uma grande colaboração entre países diferentes. Nada contra a Ucrânia. E a segunda reclamação foi sobre o motivo pelo qual a coleção de Maria Grazia não ter elementos do vestuário tradicional ucraniano. Mas não era esse o intuito. Havia silhuetas assinadas por Maria Grazia, e a influência da era eduardiana era visível em suas obras.
Obras de Olesya Trofymenko para o Desfile de Alta Costura da Dior Outono-Inverno 2022-2023
Fonte: Site da Dior
A frente criativa e o poder da identidade cultural
Uma coisa é fato, a arte não pode parar a guerra. Mas a frente cultural é importante, pois graças a ela, principalmente a cultura popular, você se torna visível ao mundo. É muito mais fácil para as pessoas formarem suas percepções sobre os ucranianos, sabendo da nossa base cultural. Isso cria uma imagem completa e inclusiva. Por exemplo, temos uma ideia dos franceses graças aos impressionistas, ao Louvre e ao Museu de Orsay.
Identidade cultural é crucial, especialmente neste momento. É preciso parar de pensar que a Ucrânia faz parte da Rússia e entender que temos uma grande camada cultural que até nós mesmos desconhecíamos, coisas que foram banidas e oprimidas. E atualmente estamos aprendendo muito sobre nós mesmos. Então, a cultura é de extrema importância. As imagens são compreendidas muito mais rápido pelas pessoa do que texto. E ao mesmo tempo, as mensagens suportadas por imagens acabam sendo muito mais poderosas.
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