Artista Rimma Milenkova Fala Sobre Artivismo Moderno e Nomes Que Foram Roubados de Artistas Ucranianos
Nem sempre a arte é o resultado de uma inspiração criativa. Ela pode surgir de uma experiência traumática: por exemplo, aquela que os ucranianos estão vivendo atualmente. Os criadores modernos usam a arte para contar ao mundo a verdade sobre a guerra na Ucrânia. Um deles é a artista Rimma Milenkova, que é gestora de arte e fundadora da galeria BureauArt. Além disso, ela é uma das artistas que se juntaram ao nosso Projeto Revival que tem como objetivo restaurar os locais culturais ucranianos.
Rimma Milenkova falou sobre seus projetos artísticos e educacionais na Filadélfia e também compartilhou seus pensamentos sobre a arte em tempos de guerra e a importância de repensar a herança colonial ucraniana. Leia este artigo para saber mais!
Símbolos da infância
Eu desenho desde que eu aprendi a segurar um lápis. Minha atividade favorita deixava meus pais contentes, porque eu desaparecia e me tornava invisível por muitas horas. E eu também ficava feliz, pois eu tinha meu próprio mundo e podia passar meu tempo do jeito que eu queria.
Minha infância está associada ao lago verde em Okhtyrka. Lá, eu e meu primo passávamos o nosso tempo livre, e as férias também. Perto de lá, havia uma escola onde meus pais se conheceram. Eles estão juntos desde a segunda série. Meu pai havia plantado árvores enormes ao redor do lago. E embora já tenham sido cortadas, a ligação com este lugar ainda continua. Para mim, este lago tornou-se um símbolo importante. É por este motivo que, muitos anos depois, criei uma exposição no Museu Okhtyrka chamada “Emerald Lake”. A principal obra artística desta exposição foi a pintura retratando um lago verde, um pato voando sobre ele e enormes árvores derrubadas.
“There’s no home anymore”. Rimma Milenkova, 2022, papel, colagem, série “Unsent”
A arte como busca de identidade
No início, a arte era percebida como criatividade, mas o que é criatividade? De maneira geral, é o que nos faz gostar da ideia religiosa do criador, em imagem e semelhança. Ou seja, uma pessoa cria algo, influencia o mundo e mostra sua essência. A busca de identidade ocorre ao falar sobre arte em um contexto mais restrito. Durante diversos momentos da minha vida, pintei diferentes estilos, porque cada período se adapta a cores, técnicas e emoções distintas. Para mim, a arte nunca foi a principal maneira de viver. É, na verdade, uma busca de identidade, porque sempre questiono qual é o meu valor como artista, como cientista e como gestora de arte. O intuito é avaliar a mim e ao mundo dentro de mim. A arte não se resume apenas a estética de uma obra, mas também sobre o que está além da obra de arte. E isso é interessante. É sempre um grande mistério com um enorme espaço para interpretações.
A arte em tempos de guerra
Eu vejo que os artistas estão se dividindo em duas categorias: aqueles que têm um lugar de força e inspiração dentro de si para produzir obras de arte mesmo em tempos difíceis, e aqueles que exploram a criatividade apenas repensar o que está acontecendo.
Analisei como alguns artistas ucranianos reagiram a eventos terríveis e percebi que muitos não conseguiam produzir. Inclusive, há muitos que reinterpretam visualmente as notícias, copiando fotos que surgem on-line usando diferentes estilos. Eu acho que os artistas de hoje estão tentando digerir todo esse veneno e o ressignificando.
No meu caso, eu não sou forte o suficiente para criar novas imagens durante esse período. Então, concentrei-me em uma técnica mais simples; faço pequenas colagens. Eu trabalho com peças de revistas, imagens icônicas, textos e texturas para criar combinações. Este é o reflexo do meu mundo.
“Premonition”. Rimma Milenkova, 2022, Glitch-Gif
Artivismo
A arte visual sempre esteve conectada ao ativismo, e essa é a razão pela qual o conceito de artivismo surgiu. Por exemplo, nos Estados Unidos, aconteceram diversos protestos artísticos que chamaram a atenção para o combate à AIDS ou para a Guerra do Vietnã. Vejo o mesmo acontecendo nas redes sociais, especialmente em trabalhos digitais. Isso é artivismo, as redes sociais se tornaram plataformas que substituíram as ruas e as galerias de arte. Isso quer dizer que qualquer arte disponível nas redes sociais pode ser classificada como arte pública. As pessoas consomem uma quantidade maior de imagens nas redes sociais do que nas ruas. Funciona melhor ao criar um espaço público dentro do celular e, consequentemente, dentro de nós. Por isso é extremamente importante apoiar o artivismo on-line.
Aqui na Filadélfia, tive a sorte de criar vários projetos públicos sobre a guerra na Ucrânia. Juntamente com a organização Mural Arts Philadelphia, fizemos uma grande projeção na parede do edifício da Liga Ucraniana. Eu pude mostrar pinturas e obras digitais de artistas ucranianos como Danylo Movchan e outros que trabalham com a temática da guerra e criam cartazes digitais. Exibimos essas obras com a música de Myroslav Skoryk e recitamos poemas em ucraniano e inglês de Serhiy Zhadan, Ivan Malkovych e outros autores.
Para mim, o artivismo on-line consegue retratar o espírito ucraniano, isso significa que posso mostrar aqui, no exterior, para chamar a atenção. E fazer isso sem usar palavras, mostrando isso não só por meio da tragédia. Em vez disso, revelando a coragem dos ucranianos e mostrando que a Ucrânia não está apenas arruinada e debaixo das cinzas. Este país tem muitas cores e muitos talentos que podemos mostrar ao mundo.
“Texts and Visions of Ukraine”, projeto em cooperação com Mural Arts Filadélfia, PA, EUA. Projeção da obra do artista ucraniano Yurii Ivantsik na parede do edifício da Liga Ucraniana da Filadélfia, em maio de 2022. Curadora do projeto, Rimma Milenkova.
Deturpação cultural
Hoje, há uma percepção distorcida da arte ucraniana e da arte em tempos de guerra. Nos trabalhos artísticos dos primeiros dias, semanas e meses da guerra, havia muita brutalidade. Foi absolutamente necessário para nós, pois é uma maneira de sobreviver. Fomos ensinados a ser gentis com as pessoas e isso é ótimo; mas é uma via de mão dupla e só funciona em tempos de paz. Estamos vendo surgir agora uma arte que incentiva a parar de ser gentil se alguém invadir sua casa e puder matar você e seus filhos.
Como expor isso para outras nações que não estão vivendo a guerra? Como saber se temos o direito de ser cruéis em situações específicas? É uma questão extremamente delicada e que pode não ser adequada para o público em geral. Existem várias restrições para apresentações em galerias e nas ruas, pois as consequências psicológicas de exibir tais obras são dos organizadores da exposição. É uma responsabilidade imensa. Essa é a tragédia da arte e nossa missão é: transmitir a emoção adequadamente, despertar o desejo nas pessoas de nos apoiar, evitando traumas. Não temos o direito de transferir o trauma que vivemos. As pessoas que visitam nossas exposições não devem chorar. Eles devem assinar petições e fazer doações. E seria ótimo se eles pensassem: “Estou feliz por ter feito isso. Estou orgulhoso de ter apoiado a Ucrânia”. Para ser sincera, não precisamos de mais lágrimas, precisamos de apoio, e acho que posso conseguir isso promovendo a arte visual ucraniana.
A autoidentificação de artistas nascidos na Ucrânia
Eu quero muito criar um projeto artístico e científico sobre como os russos roubaram nomes de artistas ucranianos, como Malevich, que até hoje é entitulado como um artista russo nas placas de suas obras em museus ao redor do mundo. Isso também vale para Sonia Delaunay, Vladimir Tatlin e Vasyl Yermylov. Ou até mesmo David Burliuk, que nasceu perto de Sumy, minha terra natal, e é chamado de pai do futurismo russo, mas nós o chamamos de pai ucraniano do futurismo russo. Eu fico me perguntando como eram essas pessoas… pessoas que usaram seu próprio potencial, sua arte e, em algum momento, a língua russa como moeda para se auto promover. Por que elas fizeram isso e como definiram sua identidade?
Agora sabemos, mais do que nunca, que a identidade nacional não é algo herdado, transmitido por genes ou até mesmo determinado pela língua, mas sim, um produto puro da autodeterminação. Se eu me determinar como ucraniana, permanecerei ucraniana, independente do país que eu esteja morando. Existem artistas famosos que nasceram na Ucrânia que escolheram ser chamados de ucranianos e aqueles que escolheram o contrário.
Precisamos promover os artistas que, ao longo de suas vidas, reconhecem que sua identidade é ucraniana, sua origem é cossaca e seus padrões são baseados na ornamentação ucraniana. E sobre os que nasceram aqui, mas não se consideram ucranianos, acho que podemos ficar quietos. Eles serão promovidos por terceiros.
“No, it’s impossible to escape”. Rimma Milenkova, 2022, papel, colagem, série “Unsent”
O futuro da arte
A arte é imprevisível – ainda mais agora, que está se tornando digital. Porém, a existência de um NFT não nega a existência de um objeto físico integral. Acredito que as obras de arte irão se tornar mais interdisciplinares. E eu também gostaria que, na Ucrânia, a arte se tornasse mais patriótica. Antes da guerra, fiquei muito triste com o fato de que os artistas ucranianos, especialmente os mais jovens, serem tão desinteressados por política. Mesmo as exposições na Bienal de Veneza eram tão ‘reservadas’ que suas mensagens eram abaixo do padrão. Parece que esta guerra vai mudar totalmente nossa mentalidade e vamos passar a criar apenas as obras de arte que trazem o melhor da Ucrânia e que mostrem como somos uma nação forte.
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