Desde 24 de fevereiro, a Ucrânia tem sido o centro das atenções do mundo inteiro. Muitas pessoas acompanham as notícias relacionadas a eventos comoventes e inspiradores sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. O papel que os jornalistas e fotógrafos estão desempenhando, muitas vezes arriscando suas vidas para compartilhar histórias da linha de frente ou de territórios ocupados, é simplesmente extraordinário.

Para entender melhor o trabalho dos fotojornalistas durante a invasão russa, conversamos com Christopher Occhicone, que mora na Ucrânia desde 2014. Suas fotos foram publicadas na Time, The New York Times, The Wall Street Journal, The Washington Post, ABC News, revista Burn e outros meios de comunicação conhecidos mundialmente. Leia este artigo para conhecer mais detalhes sobre a guerra, o trabalho dos ucranianos e as histórias mais impressionantes que Christopher testemunhou.

Por que você decidiu vir para a Ucrânia e ficar aqui?

Meu avô esteve presente na Segunda Guerra Mundial e morreu há poucos anos. Ele me contou várias histórias (de sangue) até o dia de sua morte – figuras que ele encontrou dos Estados Unidos – era algo que eu carregava comigo. Então, assim que a guerra começou na Ucrânia, eu li sobre o batalhão de Donbas (Donbas Battalion) e sobre pessoas de outros lugares do país, diferentes estilos de vida, todos se tornando voluntários – esta era a oportunidade que eu buscava para entender melhor o que meu avô vivenciou.

Em 2014, eu me mudei para a Ucrânia, mas ainda não havia experienciado algo assim. Foi confuso e extraordinário. Entretanto, conheci um ucraniano, cinegrafista do Setor Direito (Corpo Voluntário Ucraniano, um grupo paramilitar criado e controlado pelo partido nacionalista ucraniano – Setor Direito). Essa amizade surgiu e abriu novos horizontes para mim.

Фото військові ДУК обстрілюють позиції росіян біля Бахмута Крістофер Оччиконе

Como é ser um fotojornalista estrangeiro na Ucrânia?

A decisão mais assustadora que já tomei foi ir para a linha de frente. Tenho inúmeros retratos que fotografei na linha de frente durante esses anos. Tem que ser sempre a partir de um marco zero – em um ponto de contato. Recentemente, fiz uma foto do Zelensky assim. Estávamos em um porão do complexo presidencial, cercados por sacos de areia e homens armados. Todos esses foguetes que derrubaram e atingiram prédios, estavam apontados para ele. Então eu achei relevante para a minha série. Muitos amigos dizem: “Estamos em Luhansk, você deveria vir aqui e tirar fotos nossas”. Eu concordo com eles, é interessante mover-se e documentar a guerra.

O jornal Kyiv Post fez um acordo comigo e com um excelente fotógrafo espanhol para fazer um diário visual contínuo da guerra. Viajamos e encontramos algo interessante para nós. Estou trabalhando com o Wall Street Journal desde 24 de fevereiro. Foi uma ótima oportunidade, mas limitada em alguns aspectos. Eles reúnem uma equipe com escritor, fotógrafo, tradutor, fixer e um segurança. Os seguranças são britânicos. O trabalho deles é nos manter seguros, porém eles não falam a língua e nunca pisaram na Ucrânia antes. Além disso, eles alternavam as equipes a cada 7 a 10 dias. Para desenvolver uma história é muito difícil.

Фото Крістофера Оччиконе Евакуація цивільних з Ірпеня, 7 березня 2022

Conheço bem a história da Ucrânia, mas não a sinto no meu sangue. Então, quando os ucranianos falam que os russos sempre tentaram matá-los, o que eu entendo é – eles tentaram matar vocês de fome. Meu melhor amigo sempre diz: “Eles estão vindo, eles querem genocídio. Eles tentaram antes, mas não conseguiram, tentaram novamente e também não funcionou”. Achei que tinha entendido. Mas o que eu não consigo entender é como isso pode acontecer em pleno 2022. Eles vão usar tanques para atacar este país? Eu nunca imaginei que isso pudesse acontecer – essa foi a única coisa que mudou.

Hoje, eu acredito que os russos são capazes de fazer qualquer coisa. Eu acredito até em um ataque nuclear de pequena escala. Eles não têm coração, nem alma, nem caráter e muito menos dignidade. É possível ver claramente o que os russos pretendem – algemar as pessoas e atirar na cabeça delas. Eu pude ver. Eu sempre pensei neles como rebeldes – se houver fraqueza, eles a explorarão. Estou chocado com tamanha crueldade.

Por que você decidiu aprender a língua ucraniana?

Meu desejo era ir à padaria e tomar um café, fazer amigos, qualquer coisa do tipo. Participei de algumas aulas. Eu consigo te contar algumas piadas, me locomover, sobreviver. Posso conversar com as pessoas e entender suas histórias sobre aviões chegando e bombardeando seus lares. Entretanto, ainda não sou um ‘expert’ na língua.

Фото Крістофера Оччиконе Чоловік, поранений уламками російської ракети, отримує медичну допомогу

Como tem sido para você se comunicar com os ucranianos no seu trabalho?

Existem alguns tipos de pessoas. As pessoas mais duras dizem: “Não”. Mas geralmente, é possível fazê-las mudar de ideia. Por exemplo, eu precisei filmar no mercado de Mariupol, que foi bombardeado em 2015. As pessoas, principalmente as mais velhas com uma mentalidade mais ‘soviética’, ficaram assustadas com os jornalistas. Algumas vezes é realmente desafiador. Sempre tem alguma mulher que diz: “Não, eu não sou mais bonita”. E eu respondo: “Do que você está falando? Você está ótima com este suéter”.

Em Chernigov e outros lugares, onde várias casas foram destruídas, as pessoas estão voltando para pegar suas coisas. Muitas vezes, você pede permissão para filmar enquanto eles estão limpando e eles simplesmente ignoram você. Outras pessoas querem lhe contar todos os detalhes. Algumas pessoas querem tanto contar a história que é difícil tirar fotos espontâneas pois estão olhando diretamente para você o tempo todo.

As pessoas que moram em vilarejos podem pensar que você é alguém importante. Depois de 24 de fevereiro, todos os grandes nomes vieram, mas nos últimos anos, poucos grandes jornalistas têm feito um trabalho considerável aqui. As pessoas se interessam em você porque você realmente se importa com o que está acontecendo e não porque é pago para estar aqui. Estou falando especialmente com você que trabalha com fotografia, porque quero ajudá-lo de alguma forma. Cada um está fazendo o que pode. Alguns arrecadam dinheiro, consertam carros e outros levam armas. Todo mundo contribui com as suas habilidades. Claro, eu supostamente devo dizer que sou um jornalista neutro, mas isso é mentira. Ninguém é neutro em uma situação dessas.

Фото Крістофера Оччиконе Портрет українського солдата

É emocionalmente difícil para você filmar todas essas histórias?

Era muito difícil para mim trabalhar com órfãos e crianças com deficiência, eu não queria olhar para as fotos. Eu fotografava e não conseguia editar por meses. Eu já contei essa história algumas vezes. Estávamos em Avdiivka, e levou mais ou menos uma semana para partirmos. Foi estressante e muito assustador – muitos bombardeios, prédios tremendo e andares superiores destruídos. Estávamos seguros o suficiente, mas continuava sendo assustador. Houve um momento em que desejei poder estalar os dedos e ir para casa, bater os saltos dos sapatos como a Dorothy fazia em O Mágico de Oz. Mas você entende que isso não é possível: ou esses caras vencem, ou seremos prisioneiros.

Fiz fotos das quais me orgulho, e com certeza, são alguns dos meus trabalhos favoritos. Fomos a um orfanato e as crianças estavam tão mal que minhas mãos tremiam. As fotos ficaram borradas mesmo fotografando a 250/s. Foi muito perturbador. Eu não entendi todos os detalhes e apenas acreditei quando me disseram que elas eram incuráveis. Para me motivar a continuar trabalhando nisso e seguir em frente, imprimi as fotos das crianças e as coloquei ao lado da minha cama. Caso contrário, seria fácil deixar de pensar nisso.

Фото Крістофера Оччиконе Пожежа в будинку після влучання ракети Бровари 24 лютого 2022 року

Foram muito difíceis as últimas semanas de evacuação em Irpin. Ver Bucha e Borodianka sendo atacadas também foi difícil. Eu trabalhei com fotógrafos da Polônia e da Espanha. Tínhamos uns aos outros para conversar, desviar das coisas ruins com humor ácido, ou até mesmo conversar sobre algo completamente diferente. Quando fomos para Irpin parecia mais um pesadelo. Por exemplo, ajudamos a carregar um fotógrafo americano que foi baleado. E então, no mesmo dia, horas depois, meus amigos e eu estávamos tomando um Negroni e assistindo o jogo do Manchester United no meu apartamento. Em seguida, você começa a editar as fotos, corrigir as cores e fica pensando: “O que eu acabei de ver? Como estou sentado no meu apartamento?”. É muito estranho! Quando você está sozinho com as fotos, tudo fica mais real. É meio clichê pensar que a câmera é uma espécie de escudo. Enquanto bombardeavam Irpin, atiravam na ponte e embaixo dela, você está apenas tirando fotos e não tem tempo para pensar nisso, mesmo sendo a 100 metros de distância. Não, eles realmente estão atirando em você, eles só não o atingiram pela graça de Deus.

Mesmo nos dias em que você não está fotografando, você está pensando em fotografar – é estressante. Muitas vezes, é cansativo. Quando fui a Chernigov com meu colega, chegamos lá à tarde, alguém encontrou um lugar para ficarmos e sabíamos que teríamos que ir a alguns bairros nos próximos dias. No outro dia de manhã, a janela estava quebrada, estava congelando, chovendo, o tempo estava péssimo e eu não queria sair porque tudo parecia igual lá fora – mais destruição, mais horror. Eu não tinha mais vontade de olhar para tudo aquilo novamente. Mas, claro, você sai e, assim que conhece uma pessoa com uma boa atitude, coloca a cabeça no lugar e faz seu trabalho.

Фото Крістофера Оччиконе Український солдат проходить реабілітацію після поранення

Como você acha que a fotografia militar deve ser?

Primeiramente, estou farto de ver fotos de nossos soldados sendo gentis com cães e gatos. Eu já entendi: vocês são bons rapazes. E eu amo cães e gatos. Mas de quantas fotos assim ainda vamos precisar? Eu já fiz algumas também. Em 2014, fotos de “soldado casando com voluntária” também ganharam destaque. Isso é ótimo. Eu adoraria fotografar um casamento assim. Mas filmar caras atirando, se escondendo, é difícil – o governo não facilita as coisas. Além disso, é proibido fotografar hospitais militares: eles não querem mostrar soldados feridos. E eu acho isso absolutamente errado.

Acho que é necessário mostrar a realidade para refletirmos o que os russos estão fazendo com as pessoas desta geração – esses caras corajosos lutando por seu país. E também mostrar a humanidade desses caras – medo, humor, exatamente como é a realidade. Eu estive na linha de frente onde os caras trabalhavam duro para fazer as coisas parecerem melhores. Tudo isso é muito interessante. Eles estão por aí, zoando, rindo, fazendo coisas normais que os caras fazem. Claro, você quer capturar fotos de caras atirando, fumaça subindo, cobrindo seus rostos – é cinematográfico. Mas nem sempre o “bang bang” real é realmente interessante. É por esse motivo que a coisa com cães e gatos é fácil. Estamos trabalhando com esse fotógrafo polonês, que também trabalha com resgate de animais. Eles estão resgatando cachorros de rua e levando para a Polônia. Um amigo estava resgatando um cachorro, e um dos caras questionou: “Ei cara, por que você está tentando roubar meu cachorro?”. Todos são bem-humorados lá.

Fotografar funerais – eu não gosto de fazer isso, mas ao mesmo tempo aprecio, porque é extremamente importante mostrar a mãe, filha(o), esposa(o) e outros soldados de luto por uma pessoa. Infelizmente, é a triste realidade da guerra. Claro, é empolgante estar no meio de um combate real, mas isso não é a coisa mais emocionante de se ver. Mesmo quando você estiver fotografando um cara atirando, vire-se e tire fotos de quem está vendo ele atirar – pode ser ainda mais interessante.

Qual é a história por trás da foto de Nastya resgatando cães em Irpin?

Eu sou um cara que adora os animais. Sempre gostei de cachorros de rua. O que Nastya está fazendo é simplesmente incrível. Eu a vi de longe. Eu estava dirigindo em Irpin, e tive que parar para tirar essa foto. Todos gostaram da foto com Nastya. Dei essa foto ao governo ucraniano para a campanha #BRAVEUKRAINE. Está rodando o mundo, é uma loucura.

Війна в Україні крізь об’єктив американського фотожурналіста: інтерв’ю з Крістофером Оччиконе

Quais outras histórias o impressionaram?

Fiquei muito incomodado com o que aconteceu com um cara da cidade de Bucha. Parecia que ele tinha levado um tiro na boca. O homem estava vestindo um uniforme de uma oficina mecânica. E o cheiro – uma mistura de gasolina e óleo – é um certo cheiro que me é muito familiar, pois meu pai é mecânico. Esse cara aparentava ter a mesma idade do meu pai e estava trabalhando. Isso me tocou bastante. Provavelmente, meu pai também estaria trabalhando, mesmo com as tropas estrangeiras invadindo a cidade. Por um segundo, eu consegui imaginar os caras tentando invadir e meu pai dizendo para irem embora porque era o lugar dele. Infelizmente, os militares atiraram naquele homem. E não foi nada cinematográfico, não como nos filmes. Eles provavelmente saíram rindo e vasculharam os bolsos daquele pobre homem em busca de cigarros.

Você está familiarizado com o trabalho de seus colegas ucranianos?

O trabalho de Alexander Chekmenev é brilhante. Alexey Furman fez um trabalho impecável ao filmar o início da guerra (2014–2015). Alexey Furman e Sergey Polezhaka são como melhores amigos. Eles fizeram coisas interessantes juntos, como um projeto de RV sobre Maidan (A Revolução Ucraniana de 2014, também chamada de Revolução da Dignidade, aconteceu na Ucrânia em fevereiro de 2014). Eles também fizeram muitas atividades beneficentes junto com algumas ONGs em Donbas. Muitas pessoas estão fazendo coisas interessantes. Mas no âmbito da fotografia, eu diria que Alexey Furman é o melhor. Ele consegue falar sobre as coisas de uma forma extremamente talentosa e poética. E, claro, Mstyslav Chernov e Yevhen Maloletka. Eles são realmente incríveis.

 

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